Leticia Albuquerque

Especialista em ler e em leis.

Instagram: @adv.leticia.albuquerque

Insônia

A jornada da Maria continua. Além do pensamento acelerado, a agitação, inquietude e agora a insônia a levaram ao consultório de uma psiquiatra. Diagnóstico: esgotamento físico e mental, frutos de uma rotina desgastante. Ela admite que não está bem.

Seria seu estado psicológico resultado das sociedades pós-modernas, que submetem os seres humanos ao excesso de informações, a busca frenética por status, a ter o máximo de produtividade? A infra e superestrutura que desenvolvemos com os modos de produção históricos que resultaram em uma modernidade na qual o ser humano passa a ser máquina – seres humanos-robôs e também adoecidos?

Lembram? Maria tem que cuidar dos filhos, é mãe solo de dois meninos e precisa trabalhar para dar uma vida digna a eles e aos seus pais, conta com uma rede de apoio restrita e abençoada. Estuda para concursos a fim de melhorar as condições de trabalho e financeira. Se preocupa com dieta, atividade física, autocuidado, estudos, trabalho, filhos, pais, cachorros. Esgotada, recalculou a rota da própria vida, começou sessões de psicoterapia, a qual têm ajudado a lidar com seus próprios conflitos.

Às vinte horas, Maria desliga as telas da TV e eletrônicos, como recomendado pela psicóloga. A psiquiatra também falou numa tal de higiene do sono, uma série de ações como manter uma rotina regular, fazer atividade física, evitar bebidas com cafeína e fazer refeições leves antes de ir para cama, fazer alongamentos e meditações, ajustar a temperatura, iluminação e sons no quarto, tudo isso para ter enfim uma noite de sono reparador. Maria tenta!

Às vinte e uma horas, é o tempo de levar os filhos para cama. O pequeno Vinícius, de 6 anos de idade, e o Davi de 9 anos. Maria lê livros ou conta histórias sobre a sua infância. Os meninos ouvem com atenção, fazem perguntas, dão risadas e quando menos se espera, já estão dormindo. Os livros preferidos deles são “O Pequeno Príncipe”, de Antoine de Saint-Exupérye e “Meu pé de Laranja Lima”, de José Mauro de Vasconcelos. Esses ela já leu mil vezes com eles.

Agora é hora de Maria dormir. Ela fez a skincare de praxe, tomou o remédio e fez tudo que os profissionais recomendaram em relação ao sono. Mas, ao se deitar, pensa como foi o dia, o que fez, o que poderia ter feito, o que precisa corrigir em sua rotina e também pensa em como será o dia de amanhã, quais atividades e prioridades. Ao mesmo tempo em que pensa na injúria preconceituosa sofrida recentemente. Uma longa história…

Maria estava à procura de algum curso de teatro para seus filhos, achou que isso poderia ajudar no desenvolvimento e comunicação deles, além de criar boas memórias. O teatro é uma arte contagiante! Mas, o professor era mal-educado, não soube responder às dúvidas de Maria e além de dizer palavras chulas, disse que ela só poderia ser paraibana. Um cearense ofendendo uma paraibana? Bom, poderia ser de qualquer lugar, o crime de injúria preconceituosa, ou seja, aquela praticada com elementos referentes à raça, cor, etnia, religião, origem ou condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência, nos termos do art. 140, § 3° do Código Penal, estava configurado e Maria o denunciou às autoridades competentes.

Nossa personagem, graças a Deus, adormeceu. No entanto, o sono durou apenas algumas horas. Às duas da madrugada, ela acordou. Estava sem sono, pensando na ação penal que se instaurou devido à denúncia de injúria preconceituosa contra o professor e também estava um pouco enérgica, o suficiente para fazer crochê, um dos seus hobbies.

Ela pegou a agulha e as linhas, entre um ponto e outro foi tecendo, tecendo e recapitulando em sua cabeça a história da injúria causada pelo professor. O juiz de primeiro grau o absolveu mesmo tendo provas documentais e testemunha. Maria pensa que a decisão foi absurda. Teve raiva do Direito Penal brasileiro que, não raras vezes, passa a mão na cabeça de réus. Pensou que o juiz decidiu por livre convencimento, quando deveria decidir com base nas provas apresentadas. Nessa hora, veio em sua cabeça: “Apesar de você amanhã há de ser outro dia’’ (…), a canção que também fala de impunidade.

As linhas entrelaçadas fizeram o que se chama de corrente e a partir daí, Maria começa a fazer pontos altos e finaliza com ponto baixo e vai repetindo. Está fazendo uma bolsa marrom para o trabalho. Aprendeu crochê com sua mãe, que aprendeu com sua avó e assim por diante. Mais uma jorrada de pensamentos: Ela recorreu e o processo foi para a segunda instância. O Ministério Público também recorreu de forma favorável à Maria. Depois de muita espera, o professor foi condenado por unanimidade a um ano de pena de reclusão, substituída por prestação de serviços à comunidade. Para a alegria e tranquilidade de Maria. A justiça bem feita tem sensação de paz.

Entre um ponto e outro, percebeu que errou uma sequência e precisou desfazer parte do trabalho. Se ela não tivesse pensando no sentimento de revolta que o professor lhe causou, lhe chamou de paraibana como se isso fosse algo inferior e, ao mesmo tempo, no alívio por ele ter sido condenado, não teria errado. Talvez o mindfulness, a técnica da atenção plena, funcione para quem faz crochê.

Maria já está acostumada: nem tudo o que é feito dá certo. Desistir? Só se for muito necessário. Mas, no geral, ela não quer desistir. Ah, não! Nem pensar. Recomeçar! Refazer-se!

Quando estava prestes a desfazer o que estava tecido errado, lá por volta das quatro horas da madrugada. Maria houve espantada o filho mais velho gritando. Ela vai correndo para o quarto dos garotos. Davi teve um pesadelo e ficou com medo. Maria o abraça, faz orações e conta mais umas histórias. Eles pegaram no sono novamente, dormiram abraçadinhos. Nada como afago de mãe e carinho de filho.

Dessa forma, passou-se mais um dia na vida de Maria. Um dia com seus bônus e ônus. Ela enfim adormeceu. Espero que o amanhã seja melhor. Todos nós estamos esperançosos e torcendo por ela. Ela vai conseguir, sim, viver com mais qualidade diante dos desafios da vida.

Mais uma vez, boa sorte, Maria!

* Os textos e vídeos dos colunistas não refletem, necessariamente, a opinião do Portal Paraíba Dia a Dia.

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