No carro, à caminho de casa, Maria e seus pais souberam da notícia da aprovação, pelo Senado, do então Ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, para o cargo de Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), o guardião da Constituição, órgão máximo do Poder Judiciário.

Dizia o radialista que Dino já tinha passagem pelos três poderes do Estado: no Judiciário enquanto Juiz Federal; no Legislativo como Deputado Federal e no Executivo enquanto Governador do Maranhão. Em seguida dizia que poucas pessoas conseguiram essa façanha na história da política brasileira, e citou Oswaldo Trigueiro de Albuquerque Mello, paraibano, nascido em Alagoa Grande. Nesse momento os três olharam-se reciprocamente e surgiu um ar melancólico.

Falar em Alagoa Grande é falar, além de Oswaldo Trigueiro (1905 – 1989), da trabalhadora rural e defensora dos direitos humanos Margarida Maria Alves (1933 -1983), do cantor e compositor Jackson do Pandeiro (1919 -1982) e, especialmente, do avô de Maria, a quem ela tanto amava, o senhor Genildo Lins de Albuquerque (1923 – 2022), conhecido como Doutor Genildo.

O avô de Maria era primo de Oswaldo Trigueiro e ficou responsável, por um tempo, pelo museu em homenagem ao mesmo. O museu era simples, um casarão em frente à praça principal, com fotografias e alguns móveis. Era o lugar em que foi parido e onde morou até sair de casa para estudar primeiro em João Pessoa e, como tantos nomes conhecidos, depois em Pernambuco, cursando Direito na Faculdade de Direito do Recife.

Oswaldo Trigueiro tinha um currículo invejável, que o avô de Maria, o Dr. Genildo, sabia de cor e salteado, mais que o Wikipédia e o site do Supremo, claro. Na época em que era guardião do museu, antes de qualquer pessoa pisar na entrada, já no primeiro degrau da escada de madeira tinha que ouvir uma palestra durante duas horas sobre a vida e a carreira de seu primo mais velho:

“Oswaldo Trigueiro foi advogado, Promotor de Justiça, Procurador Geral da República, Ministro do STF, professor honoris causa da Universidade Federal da Paraíba, Prefeito de João Pessoa, Governador da Paraíba, Deputado Federal, e ainda ocupou um cargo no Tribunal Superior Eleitoral. Morou em João Pessoa, Recife, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Brasília. Ainda foi Embaixador da República na Indonésia! Sim, até na Indonésia! Também cursou Ciências Políticas na Universidade de Michigan!”…

Se deixasse, o Doutor Genildo passava horas e horas falando, com muito orgulho, de seu primo Oswaldo. Antes ouvir a palestra do que adentrar no casarão, pois o lugar era meio sombrio. Maria se questionava: ‘’Quantas pessoas será que morreram naquele lugar?” E tinha medo de espíritos quererem assombrá-la, se é que eles existem. De qualquer forma, ela não gostava de entrar lá, gostava apenas de ouvir o avô, e faria de tudo para ter aquelas duas horas de narrativa de volta, pois o velhinho partiu no ano passado.

Oswaldo Trigueiro de Albuquerque Mello e Genildo Lins de Albuquerque eram primos, e talvez as façanhas sejam de família: o avô de Maria cursou Odontologia na Universidade Federal do Pará, na época o curso e a profissão eram pioneiras no Brasil. Ele era conhecido por ter a mão pesada, para o temor de alguns, mas foi útil e reconhecido por muitas pessoas do brejo paraibano por vários anos. Dirigiu até os 90 anos, leu até os 95, tomou a cervejinha (sem álcool) até os 96. Faleceu aos 98 anos.

Ah… tantas memórias lhe trouxeram aquela notícia da rádio! Teria sido melhor ficar desinformada?

E então, ao chegar em casa, ela foi dormir com saudades do avô e com inveja do currículo de Oswaldo Trigueiro.

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