Notícias da Paraíba

Leticia Albuquerque

Formada em Direito pela Universidade Federal da Paraíba, advogada e conciliadora da Justiça Federal na Paraíba.

Instagram: @adv.leticia.albuquerque

O assediador do Centro Espírita

Era uma vez um lugar cheio de pessoas legais. Elas falavam de amor, humildade, caridade, fé racional e inabalável. Era um lugar de acolhimento que ajudava as pessoas no sentido material e espiritual. Elas diziam que vivemos em um mundo de provas e expiações e estamos neste planeta para evoluir e ajudar os nossos irmãos visíveis e invisíveis a evoluírem também. Portanto, o propósito de todas as vidas que já vivemos e viveremos é não mais que a evolução.

Maria aprendeu tudo isso no Estudo Sistematizado da Doutrina Espírita, o ESDE, como aquelas pessoas denominam o curso, que dura três anos. Foi numa tarde de sábado a primeira aula presencial depois da pandemia (se é que ela acabou). Maria estava muito feliz porque voltava ao Centro e porque à noite iria comemorar seu aniversário com familiares e amigos.

Nesta turma havia pessoas de idades entre 20 a 40 anos aproximadamente, de todas classes e gêneros. Mas um dos alunos, o João Elias, chamou atenção de Maria por abraçar as meninas e dizer que reconhecia as pessoas pela energia (o que é esquisito e duvidoso). Sempre que Maria o encontrava, era abraçada de um modo que ela sentia ser inapropriado, portanto a incomodava. Eram abraços dos quais Maria queria se desvencilhar e ele não deixava. Ela então, sempre procurava um jeito de ficar longe dele.

Foi o que aconteceu naquele dia da primeira aula presencial, só que Maria cedeu a um breve abraço por cordialidade, por estar em um lugar com propósitos edificantes, na presença da esposa e da filha dele, e porque era o seu aniversário, o que a deixava animada. Após cada aula, todos se aproximavam para um café e conversas paralelas. Enquanto Maria conversava empolgada com uma colega sobre uma trilha ecológica, João Elias disse em voz alta para todos ouvirem que Maria estava com energia negativa.

Como assim energia negativa, se tudo ia bem? Ela, sensível, voltou para a casa chorando. A casa belíssima e ornamentada para a sua festa de aniversário, tudo organizado pela mãe dela, sempre muito caprichosa. A mãe atenta e carinhosa, quando soube da história que acontecera no Centro, deu um banho de água benta na filha e entregou-lhe um crucifixo para que o usasse. A medida que os convidados chegavam, ela foi se recuperando.  Maria se divertiu muito com as amigas e as primas, e recebeu até uma visita inesperada, ousada, especial, inesquecível.

A festa acabou. O domingo foi de ressaca e de levar pedaço de bolo para os que não puderam ir. Maria estava bem, descobriu que foi aprovada em segundo lugar em uma seleção, estava animada para o curso de formação. Enquanto isso, João Elias passou a semana inteira enviando mensagens, insistindo em dizer que ela não estava bem e que ele estava preocupado com ela, sentindo uma dor no peito. Maria ignorou as mensagens mas chegou uma hora em que ela não se conteve e foi conversar com ele.

João Elias disse que Maria tinha problema de energia sexual elevada e que isso o afetou, que sentia atração e repulsa ao mesmo tempo. Maria, em sua ingenuidade, pediu desculpas e disse que não queria provocar isso nele. Então ele retrucou que Maria tinha que pôr todas as energias dela, nele. Isso para resolver um problema que nem ela sabia que tinha! “E como faço isso?’’, a moça perguntou. “Eu posso te encontrar à noite em qualquer lugar”, ele respondeu.

E a raiva subiu à cabeça de Maria, enfurecida por perceber sua própria ingenuidade e sentindo-se culpada por isto. Como não percebeu as intenções dele antes? Ajuda fora do Centro Espírita para um problema que não existe?

Incrédula, demorou dois dias para contar para o diretor do Centro, Herodes. Ele não acreditou, duvidou, achou que Maria estava querendo ficar com este homem maligno. Ela mostrou-lhe prints da conversa inconveniente e poucos dias depois aconteceram fatos parecidos com duas meninas envolvendo o mesmo homem, e que também foram reportados ao diretor Herodes.

E o que aconteceu? Ele não fez nada. João Elias, cria de João de Deus, atualmente continua frequentando o Centro Espírita. Elias, que na bíblia combatia os falsos profetas, agora era um deles, um falso profeta, um falso médium, um charlatão, a energia negativa. Enquanto Herodes, dando continuidade à Monarquia, ficou omisso e preferiu mantê-lo lá. Preferiu o ofensor às vítimas, como no passado. A mesma escolha foi feita no presente e o será, quem sabe, também no futuro.

Maria ainda pensou em denunciar o charlatão abusador às autoridades, mas reconheceu que perdemos muito tempo atrás da justiça dos homens e que a paz que ela proporciona tem sabor de chocolate amargo. Talvez o melhor fosse aguardar a lei do retorno, a lei da causa e efeito? A lei da causa e efeito também age em casos de omissão, irmão Herodes…

Poucas pessoas sabem dessa história. Todas as mulheres para as quais Maria contou, para alertá-las, lhe deram apoio, palavras carinhosas e acolhimento. Os dois únicos homens que souberam de tudo, duvidaram dela. O destino fez com que Maria se encontrasse com uma senhorinha que lhe disse, ao ouvir o que acontecera: “Eu ministro palestras em todos os Centros Espíritas dessa cidade, exceto ali.” Maria entendeu o que ela quis dizer.

Recolheu-se. Desmistificou pessoas e o Centro. E lamentou por ter frequentado aquele lugar por alguns anos, ouvindo mentiras e absurdos. Todos querem ser deuses por ali, mas ninguém tem o poder de saber sobre a vida do outro. Arrependida, voltou para onde nunca deveria ter saído e saiu para nunca mais voltar.

* Os textos e vídeos dos colunistas não refletem, necessariamente, a opinião do Portal Paraíba Dia a Dia.

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