No dia 15 de setembro de 2019, o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Renováveis) acionou a Polícia Federal para investigar estranhas manchas de óleo que chegavam ao mesmo tempo, e em grande quantidade, a praias do Nordeste.
Desde então, o caso é investigado por autoridades sem que ninguém tenha sido formalmente acusado pelo maior crime ambiental em extensão da história do país.
“Acionamos a PF por perceber que não se tratava de algo pontual. Era algo que se demonstrava, desde os primeiros dias, como algo muito maior do que o acontecia nos últimos tempos”, lembra Marcelo Neiva, coordenador de Atendimento a Emergências Ambientais do Ibama, em audiência pública na última terça-feira (10).
PF indicia, MPF espera
A PF (Polícia Federal) concluiu o inquérito do caso em dezembro de 2021 e o enviou ao MPF (Ministério Público Federal) do Rio Grande do Norte, onde as investigações ficaram concentradas.
O navio petroleiro grego Bouboulina foi apontado como responsável pelo derramamento após a investigação. A empresa dona da embarcação, e seus responsáveis foram indiciados por crimes de poluição, descumprimento de obrigação ambiental e dano a unidades de conservação.
À época, a PF também estimou que o incidente para limpeza de praias e oceano pelo poder público nas três esferas custou R$ 188 milhões —valor que deveria ser reparado pelo poluidor.
A proprietária do navio, porém, nega o derramamento. O Bouboulina relatou que não teve problemas onde atracou após deixar o porto José, na Venezuela, em 19 de julho de 2019. Ele zarpou com um milhão de barris de petróleo e, em 3 de setembro, entregou toda a carga, sem nenhuma perda, no porto de Melaka, na Malásia.
Na chegada, o navio foi inspecionado pela norueguesa Equinor, uma das petroleiras mais respeitadas do setor. O relatório de 32 páginas não apontou falhas na embarcação.
Dois anos e meio após receber o inquérito, o MPF (Ministério Público Federal) não denunciou ninguém. As investigações estão em andamento, agora no âmbito da Procuradoria. No entanto, a apuração está parada “aguardando dados de uma cooperação internacional.”
Por ser um caso de segredo de Justiça, nenhum investigador dá entrevistas, nem repassa detalhes sobre a apuração.
O acidente
O maior acidente ambiental em termos de extensão da história do Brasil (foram mais de 3.000 km de litoral) durou de agosto de 2019 a março de 2020. Foram 5,3 mil toneladas de óleo retiradas das praias nesse período.
O óleo chegou pela primeira vez no dia 30 de agosto de 2019 em praias nos municípios de Pitimbu e Conde, no litoral da Paraíba. Dali em diante, foi se alastrando até chegar a 1.009 localidades em 130 municípios do Maranhão ao litoral norte do Rio de Janeiro.
Nesse período, foram várias apurações e informações repassadas. Em outubro de 2019, a Petrobras informou à PF que o óleo tinha “correlações significativas” com campos petrolíferos da Venezuela.
Ricardo Salles, o então ministro do Meio Ambiente, atacou o país vizinho, citando navios clandestinos que saem do território venezuelano. Na ocasião, ele disse que oficiou a OEA (Organização dos Estados Americanos) para que a Venezuela se manifestasse sobre o caso.
O governo de Nicolás Maduro rebateu, afirmando que o Brasil nunca procurou a petroleira local PDVSA, e não poderia confirmar a origem já que nunca recebeu amostras do óleo para verificação.
A versão sobre o Bouboulina surgiu ainda em novembro de 2019, quando a PF fez uma operação e apreendeu documentos. A ideia foi baseada em imagens de satélite fornecidas por uma empresa, mas foi imediatamente contestada por especialistas, como do Ibama, que afirmaram não haver certeza que as imagens apontadas se tratavam de óleo.
Pesquisadores também criticaram o país por não abrirem investigação para outras possibilidades. Em julho de 2022, o UOL publicou um material especial que apontou as falhas e contradições da investigação oficial.
A Marinha do Brasil, responsável por investigar navios, encerrou seus trabalhos no final de 2020, dizendo que as investigações foram inconclusivas, sem chegar a nenhuma embarcação culpada.
Em 2022, cientistas apontaram em um estudo internacional a possibilidade de um navio nazista afundado no Atlântico ser o responsável pelo acidente: do SS Rio Grande, afundado em 4 de janeiro de 1944 pela Marinha dos EUA entre as costas brasileiras e africana.
O mesmo estudo também apontou que o material que chegou às praias era uma mistura de óleos combustíveis usados para transporte de navios, e não petróleo cru.
UOL