Leticia Albuquerque

Especialista em ler e em leis.

Instagram: @adv.leticia.albuquerque

(Im)previsibilidade

Este texto é sobre a (im)previsibilidade comportamental de uma menina (vamos chamá-la assim apenas por conveniência mesmo) … Uma menina que, inicialmente, precisava ser séria em ocasiões em que exigem seriedade. Não minto, ela não conseguia. Isso já aconteceu em audiências, consultas médicas, sessões de psicanálise, aulas, encontros religiosos e até mesmo em velórios. Tudo sem querer, ela apenas não conseguia ficar séria e depois sentia na pele a amargura do constrangimento.

E o que fazer quando o vexame tomava de conta? Apenas precisava mudar o foco e fazia isso ouvindo músicas, quando chegava em casa. Cantava “Sound of Silence”, de Simon & Garfunkel; ‘’Enjoy the silence”, de Depeche Mode. O silêncio cantado em perspectivas diferentes. Ela adorava isso, assim como cantar com Whitney Houston “I have nothing’’, pensando em casos amorosos que nunca existiram.

Para quê sofrer por amor?’’ Pensa. Parecia ser uma ideia muito tosca, depois de ter sofrido uma ou duas vezes para experimentar como é e ver que não vale a pena. Mas, de verdade, não precisa. Amores vêm e vão o tempo todo, infelizmente. E a menina que precisava ser séria em ocasiões que exigem seriedade também não conseguia sofrer por amor, uns confundiam com apatia, entretanto era apenas o “seguir em frente” dela.

Outra característica muito peculiar da nossa menina é ter crises de risos em circunstâncias inapropriadas. Em apresentações na faculdade – um dos professores ficou atordoado e mandou que ela fosse tomar uma água. Quando voltou, continuou a rir sem parar e não adiantou de nada. Isso também já ocorreu em uma sessão com a psicóloga, a profissional teve que acabar o encontro mais cedo por causa desse SINISTRO. A pior crise de riso aconteceu em um elevador comercial lotado, ela simplesmente meteu-se a rir do nada ou achou que a cara das pessoas estavam muito sérias para um lindo dia de verão.

A menina que precisava ser séria em ocasiões em que exigem seriedade também não consegue chorar, exceto com a morte da cachorrinha Bella, nesse dia ela foi aos prantos. É uma situação difícil não conseguir chorar, porque o choro alivia muitas tensões, é bom chorar de vez em quando, porém ela não consegue.

Recomendaram-lhe um médico psiquiatra e depois de muitas consultas e de, finalmente se convencer que a relação médico-paciente não é só capitalista, veio o diagnóstico: um tipo de transtorno de humor. É, a menina que precisava ser séria em ocasiões nas quais exigem seriedade tem um probleminha. Em dez anos de terapia com a mesma psicóloga, falar sobre esse diagnóstico a fez chorar pela primeira vez em inúmeras sessões, saíram lágrimas na sensível e compreensível psicóloga também.

O diagnóstico a deixou assim: andando sem rumo pela casa, pensando em mil coisas, sem saber o que fazer, sentimentos desordenados. Ela queria ir ao banheiro, mas parava na cozinha sem direção. Totalmente desorientada, uma espécie de embriaguez sem ter tomado um gole de álcool. Isso é o que chamam de euforia?

A menina que precisava ser séria em ocasiões de seriedade, agora sente tudo com muita intensidade todos aqueles sentimentos de Divertidamente, especialmente tristeza, raiva, ansiedade e até mau humor.

O padre disse que isso era coisa do demônio. Pastores diriam a mesma coisa. Espíritas colocariam a culpa nos obsessores ou em algum mal feito por ela na vida passada. Ou seria culpa daquela macumba da Fabi? É melhor acreditar na razão e na ciência (ocidental) – porque a ciência oriental diz que isso é desequilíbrio do Yin e Yang ou desequilíbrio dos chakras, o que não resolve nada.

Aconteceu o inverso, isso era tão (im)previsível:

A menina que precisava ser séria em ocasiões em que exigem seriedade agora é séria em todas as ocasiões, parou de sorrir por um tempo, não via graça em nada. Isso é bom ou ruim? Não ver mais graça nas coisas nem no semblante das pessoas. Veio a depressão.

Ela ouve muito que precisa se esforçar para sair dessa, mas também ouve “se você estivesse morta, seria melhor para mim” ou “você é uma inutilizada”, “toda família tem sua cruz”. Fora os pitacos sobre seu corpo, sua profissão e sua vida amorosa. “Até minha neta tem namorado e você não tem. Vai ficar para titia”, falaram para ela, que respondeu tão bem: “Você quem pensa”! Mania das pessoas de querer saber da vida dos outros.

Palavras duras em voz de veludo’’, já canta os Paralamas. A vida dela é não se importar com as palavras duras das pessoas, e não eram ditas em voz de veludo, pelo contrário, vozes amarguradas. Tarefa difícil!

Nando Reis, você disse que “o mundo é bão” ou estou enganada? E a menina que precisava ser séria em ocasiões em que exigem seriedade, que tinha crises de risos em lugares públicos e que não conseguia chorar, agora chorava pelos cantos, escondida para ninguém a ver e para aliviar, só para aliviar as dores…

Ela precisa apenas de EQUILÍBRIO (é o que todos nós precisamos), de ficar bem e de um tanto de previsibilidade comportamental, pois quando menos se espera, ela está rindo à toa novamente e se constrangendo por isso, depois cansada de tudo e sentindo que a vida é uma mera bagunça sem graça.

* Os textos e vídeos dos colunistas não refletem, necessariamente, a opinião do Portal Paraíba Dia a Dia.

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