Especialista em ler e em leis.
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Nazaré passou a semana inteira preparando uma palestra que iria apresentar na sexta em uma repartição importante na qual fazia trabalho voluntário há bastante tempo. Estava bem ansiosa e se sentindo importante. Foi toda arrumada, look esporte fino, uma pantalona rosa e um casaco jeans, cabelos presos.
Havia chegado, enfim, o grande dia!
A palestra foi sobre “Comunicação-não-violenta, Empatia e Respeito”.
Jesus Cristo foi citado logo no começo, em uma instituição pública de um Estado laico, assim deduz-se que ela é cristã e agrada a maioria de uma dezena que estava na plateia.
A palestra retomou. Agora foi a vez de falar sobre “comunicação-não-violenta”, que é saber falar e ouvir com equilíbrio, sem agressividade, com tom de voz sereno – para os que o conseguem. Afinal, as habilidades de saber falar e ouvir, prestando atenção no que se fala e no tom que se usa evitam bastantes conflitos.
Em seguida, falou-se sobre respeito e empatia, que é a capacidade de se colocar no lugar do outro. Eis o exemplo de empatia exposto:
“Tinha um travesti na sala de espera, era o João Roberto. Ele usava peitos de mulher; ele usava maquiagem de mulher; ele tinha unhas de mulher; ele tinha cabelos de mulher, então eu perguntei a ele a maneira como gostaria de ser chamado.
— Pode me chamar de Poliana. Então a travesti foi muito bem tratada na repartição”. No entanto, a maneira como Nazaré demonstrou o exemplo foi agressiva. Será que havia parado para pensar em como a travesti se sentiria se a ouvisse falar desse jeito? Não houve empatia.
E para quem estava ouvindo veio o estranhamento, braços cruzados de uns, caras feias e interrogativas de outros. Todos e todas acharam estranho esse modo de expor uma travesti, porque bastava só dizer que era para referirem-se a ela no feminino e perguntar o nome social. Mas o que Nazaré disse foi inapropriado e contraditório. Não foi empático nem respeitoso como ela mesma estava explicando há pouco tempo.
Confesso que fiquei irritada com a maneira como ela se referiu à travesti. Logo em seguida ela disse a seguinte frase: “Quem tem depressão não tem capacidade de trabalhar na repartição”. Atualmente qualquer pessoa deveria saber que a depressão é multifatorial (há os fatores biológico, psicológico, social, ambiental, entre outros), sendo o trabalho útil como remédio ou não, a depender de cada caso. É aquela célebre frase: “Generalizar não é inteligente”. O desemprego, por exemplo, pode colaborar com uma depressão, afinal todos querem se sentir úteis e reconhecidos. Não sou psicóloga ou psiquiatra, mas sei que o trabalho pode ajudar no tratamento ou piorar a depressão. Mas vamos lá ao clichê: “Errar é ‘umano”.
Então Nazaré finalizou a palestra homenageando uma colega “que se matou, mas não foi por causa da repartição”. Eu senti um certo deboche, outros não. Logo pensei: “Mas Nazaré! Você não acerta uma!” Se quisesse homenageá-la falaria de suas qualidades, não da causa mortis, porque a forma como partiu chama mais atenção do que a pessoa que sua colega foi… e por que mesmo falou sobre ela?
Tudo isso foi gatilho para Maria, recém chegada na repartição. Não houve bate-boca, mas houve um questionamento das falas preconceituosas e debochadas. É que Maria tem em si uma mania de questionar e carrega no seu coração dois lacinhos amarelos.
A palestra chegou ao fim. Foram todos confraternizar com champanhe e salgadinhos de camarão, como se nada tivesse acontecido. Sendo que cada uma saiu à francesa. Nazaré estava frustrada por ver sua palestra sendo mal recebida, enquanto Maria estava triste por fazê-la sentir-se mal… pediu desculpas, mas nunca recebeu uma resposta.
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