Especialista em ler e em leis.
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Oi, Júlia, você não me conhece! Na verdade não sei se você existe ou só na cabeça da Aline Bei. Meu nome é Mariam! Mariam Inaê e eu também não sei se existo ou só na cabeça de uma jovem senhora metida a escritora.
Comecei a ler o livro contando a sua história, uma diversão que me entretem em lindos dias de domingos. Por aqui faz um sol escaldante e eu ouso com uns goles de vinho (sol e vinho só combinam na cabeça da minha criadora). Está sendo uma leitura linda, quer dizer, algumas vezes, nos relatos tristes da infância e nas experiências solitárias da fase adulta me proporcionaram momentos de reflexões.
Tenho um segredo a revelar: você não é a única a olhar pela janela e ver as pessoas vivendo, talvez, como se não houvesse amanhã; você não é a única a apreciar os animais, especialmente os pequenos que voam perto de você; você não é a única a contemplar o pôr do sol, a paleta alaranjada até sumir no azul escuro da noite. Mas, você é ÚNICA dado a singularidade de cada ser.
Temos tanta coisa em comum! Beethoven também já “dançou com minhas angústias e riu da gravidade dos meus gestos’’. De vez em quando me afeta mais euforicamente – e eu não sei se isto é bom ou ruim. A Sinfonia n.º 5, ‘’ A Sinfonia do Destino’’, a mais tocada nos últimos tempos, me faz querer voltar no tempo, me faz querer que as pessoas fossem mais amáveis e que eu tivesse escolhas mais assertivas.
Talvez, você desejasse voltar ao tempo e ter pais menos estranhos e mais afetuosos. Eu sei que você queria ter sido uma boa bailarina e não o que parece ter sido um fardo para os seus pais. Na verdade, espero que não pense assim. Dizem que nossos pais nos amam de um jeito único, as vezes mais rígidos sem manifestações de carinho, às vezes mais extravagantes. É, mas também é verdade que existem pais que não amam os filhos. Esse não é o nosso caso.
Teus pais se separaram cedo e, cá para nós, não entendi se ficastes triste ou aliviada porque viver em um lar em que não há amor e respeito, com traições e outros fatos negativos, isso não deve ser fácil. Fora que sua mãe lhe criou de maneira rígida, desde mocinha com grandes responsabilidades com os deveres domésticos. Por aqui, lembro, não foi diferente. Aos sábados, lavávamos as roupas no tanque e quando adquirimos uma máquina de lavar, eu também dançava ao som da centrífuga quando ninguém estava olhando. Era divertido.
Eu disse que tínhamos muitas coisas em comum. Não minto! Também gosto de escrever para fugir do mundo, faço isso quase todos os dias. Gosto de escrever sobre o Primeiro Amor, ele cometeu suicídio aos 34 anos. Eu perdi parte da minha juventude, perdi oportunidades profissionais, perdi vida. Sabe? “O demônio do meio-dia’’ existe mesmo, Andrew Solomon é muito coerente em falar sobre depressão! Escrevo para o Primeiro Amor, como se ele estivesse apenas fazendo uma longa viagem e eu repouso entre papéis sob a cama para contar como tem sido os meus dias. Isso é fugir do mundo ou uma pequena terapia? Ou deveria dizer a mim mesma “É hora de dar adeus” e escrever sobre novos horizontes ou, talvez, cartas para gente anônima? Ideia inusitada esta última. Pergunto como se você fosse me responder ou, ao menos, ler a minha carta.
Voltando ao assunto, realmente a nossa impotência é muito grande diante da morte, seja com óbito das flores e o cheiro que as pétalas exalam como um grito, seja com a partida de um ser humano e “não há nada que possamos fazer’’ mesmo, a não ser cuidar de nós, cuidar uns dos outros também.
Você saiu de casa tão cedo. Admiro sua coragem. Mas, Júlia, todos percebem a sua solidão. Marquei no meu livro o trecho em que alguém que lhe dizia: “Júlia. não é bom guardar tudo para si o tempo todo. é por isso que existe a boca , a palavra, os Outros, viu? você pode confiar em mim’’. Queria que alguém me dissesse a mesma coisa, do mesmo jeitinho. Sinta-se privilegiada. Às vezes, guardo para mim algo que não sei explicar, quanto mais alguém entender.
Por exemplo, todos nós somos grãos de areia no meio da multidão e, ao mesmo tempo, seres medianos que habitam um planeta. Vivemos assim nessa dualidade de termos o dom da atitude e mesmo assim limitados por fatores externos e até internos. Sei que gostas desses diálogos, pensavas em cursar Filosofia, embora esta ciência seja bem mais complexa que minhas indagações.
Júlia, confesso que não terminei de ler a sua história. As resenhas falam que ela retrata o luto e esse assunto é bem delicado para mim. Quando ler, faço uma segunda carta, se der. Só desejo que você seja uma personagem feliz mesmo vivendo um turbilhão, fazendo Pequenas Coreografias do Adeus, afinal a vida é nada mais que se despedir de pessoas, circunstâncias e do tempo.
Já lhe estimo.
Com carinho,
Mariam Inaê.
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